Do Terreiro do Paço ao Oriente

19h30 e o Sol estava a esconder-se, num dia que recebe o Outono com sabor a Verão, as pessoas passeavam entre máquinas fotográficas, passos acelerados, sorrisos e caras indiferentes.

Eu estava a caminho do carro com um passo certo, absorvida entre o bem e o mal que me sabe esta cidade.

Os meus olhos saltaram para umas calças fuchsia com 50 cms ainda com um andar incerto. Ninguém reparou no brilho dos meus olhos, mas eu senti-o no coração e, desviei o olhar com a brisa quente que tem alturas que apenas escalda, a minha companhia também não reparou, mas o meu coração sentiu um Buda a instalar-se.
Cá dentro a menina de calças fuchsia agarrou na trela de um ser mais alto que a palmeirinha que vivia num elástico igualmente fuchsia e andou de costas voltadas. A ela não lhe cheguei a ver o sorriso, mas continuou pela areia granulada que existe para além da água salgada. A ele, vi-lhe a expressão doce chocolate entre o pelo vaidoso e brilhante, que sabe a abraço de chegar a casa. Não lhe desviei o olhar, mas desviei os passos que me levavam a um toque e a um sorriso que se vê de fora.
Seguiram e andaram sempre em frente, sem tropeçar ou olhar para trás…

Acendi um cigarro e sentei-me na companhia do meu Buda, que ainda não tinha aprendido a arte do Nirvana.
No último bafo a menta os meus ouvidos sentiram o ritmo cardíaco a acompanhar as notas que vinham do fundo das pedras da calçada e, o castanho dos meus olhos voltaram à luz, havia movimento, para lá do fuchsia e do preto chocolate, que acompanhava a batida que eu tinha nas veias. Brilhavam e deslizavam entre o azul prateado e o mármore espelhado que me fez levantar e dar passos de curiosidade. O primeiro decidido e rápido, o segundo decidido e lento e o terceiro lento e último. Desviei a direcção e passei o braço pelos ombros do Buda e, com ele, contei de um a cinco, inspirando, e de cinco a um, expirando. De costas vi os bailarinos com os seus movimentos suavemente bruscos e roupas de estreia.

Fumei mais um cigarro, que já não devia existir, e olhei, porque continuo sempre a voltar. Segui-os à distância de um suspiro, às calças fuchsia, ao Terra Nova e aos corpos dançantes, até que foram as luzes que apareceram no chão mármore, para onde eu, de vez em vez, fixava o olhar, que me fizeram andar… as luzes sempre me fascinaram!

Desta vez quando voltei a erguer o meu cabelo, que teima a crescer sem pressas, reparei em corpos estáticos, com roupas que formam pessoas em alfinetes de dama, separados de quem os veste por vidros transparentes e sem vida, que limitam o sonho.
Entraram todos num espaço apertado, por ter cores demais e conjecturaram cozinhas onde o Terra Nova beberia a sua água, onde a menina fuchsia teria uma taça de cereais com palhaços sorridentes e balões, salas pastel onde todos os cisnes do lago caberiam e, quartos com cheiro a mar baunilha, onde a cama não deveria ser grande demais e onde o Buda não deveria entrar, mas entrou e eu desviei a direcção, o passo, o olhar e acendi um cigarro…