E tu, pensas?

Tem estado frio e chuva e eu sempre fui sazonal. Esta coisa da temperatura exterior altera-me o ambiente interior. Fico com a cabeça mais ocupada e cinzenta, com os olhos mais enevoados e molhados e com o coração mais tolhido e tremido.

Nestes últimos dias só me tem vindo à memória uma conversa que tive com a minha sobrinha Anita.
Estava eu entretido a brincar com uma batata frita e a pensar que ela estava na mesma frequência quando me mostrou que, nos últimos segundos, tínhamos trocado de idades.

– Tio, tu pensas?

Aquela pergunta divertiu-me e rapidamente respondi:

– Claro que sim Anita! Todos pensamos!

A minha resposta atingiu-a directamente nos circuitos neuro-pensadores. Não fosse a estranheza da pergunta, por ter sido feita por um ser que pisava a Terra há apenas quatro anos, diria que tinha arranjado um assunto para o resto da tarde. Sem conseguir desvendar o que escondia aquele sorriso a três quartos, perguntei:

– Mas porquê Anita?

Encolheu os ombros e disse-me com grande pesar:

– Eu não penso Tio!

Os seus olhos redondos e castanhos prenderam-se ao prato de carne e o queixo começou a tremer.

– Olha para o Tio Anita. O Tio tem a certeza que tu pensas. E sabes porquê?

– Não!

– Porque para me fazeres essa pergunta, tens de ter pensado nela.

– Então podes dizer à mamã? Ela não sabe disso.

A conter o riso e a fazer a cara séria que a ocasião exigia, perguntei-lhe por curiosidade:

– Porque achas que a mamã não sabe?

– Ela diz muitas vezes “Pensa Anita, Pensa!”

Lá lhe prometi que ia contar à mamã que ela pensava e devolvi-lhe a confiança que um ser pensante merece.

E agora aqui estou eu, sentado neste banco verde e húmido, debaixo do candeeiro de rua, a 2 minutos a pé de casa, a forçar-me a parar e a pensar. Coisa que dei sempre por inata. Não consigo pensar! A vida sentou-se na minha cabeça e encheu cada recanto de passado atabalhoado fazendo o presente algo que eu não consigo desfiar. Preciso de um plano, de um futuro, de uma saída, ou de uma entrada, preciso muito de pensar e, só consigo reviver e passar pelo hoje perdendo-o. Tenho urgência, ânsias, nervoso miudinho, paralisia, confusão, tonturas, falta de ar.

Hoje comprometi-me a pensar, combinei um café comigo mesmo, com hora marcada, neste banco de madeira. Hoje fiquei de pensar… Já bebi o café em copo de papel, já respirei, já me encostei, levantei-me e sentei-me de novo e não consigo definir a minha linha de pensamento, qual o meu querer. Esta incapacidade continua aqui a atormentar cada segundo, e cada segundo sinto que foi um desperdício, que a minha vida até aqui foi inútil e eu não sou mais do que isso mesmo.

Abro a agenda de papel, sou dos que ainda a usam, tiro a caneta do bolso da camisa e escrevo no dia vazio de amanhã: PENSAR!