O circo

Ilustração de @mouro.ao

As luzes, a liberdade sem paredes, os fatos e os voos fascinavam Agostinho. Os pais, gente de berço, dos que nascem sem grandes lutas, achavam tudo um perfeito disparate, pois que o menino tinha era de estudar, saber sentar-se à mesa com 3 talheres de cada lado do prato e quando chegasse Dezembro, lá podia ir ao circo da cidade todos os dias das férias da escola, bem ou mal tinham sempre bilhetes oferta como simpatia de Natal das empresas onde orgulhosamente trabalhavam.

Dezembro deixou de ser suficiente, mas era o mês da oportunidade e num acto de rebeldia, faltou às aulas de português com aquela professora chata que usava palavras que ninguém conhecia, e foi apresentar-se.

Chegou! Pediu para falar com o Sr. Hugo Cardinali. Sabia que não era aquele primeiro homem que encontrava porque não tinha o bigode arrebitado nas pontas. De trás da roulote dourada veio um senhor de bigode arrebitado e collants até ao pescoço e Agostinho perentoriamente afirmou em bom tom:

– Eu quero juntar-me ao circo.

O senhor de bigode preto e collants azuis riu-se, mas lá perguntou qual era a habilidade do pequeno.
Meio atrapalhado pela gargalhada do ouvinte, Agostinho afirmou que tinha ensinado o cão a dar a pata, deitar e rebolar. Não querendo desiludir a coragem do fardadinho colegial que tinha à sua frente, Hugo Cardinali convidou-o para entrar para a grande arena cheia de sonhos e terra. Pediu que lhe contasse anedotas para ver se tinha jeito para Palhaço, mas nada. Subiu com ele para o alto do trapézio e o terror nos olhos de Agostinho fizeram desaparecer qualquer asa que ele achava que tinha.

Desta vez, com um riso paternal Hugo Cardinali ofereceu boleia até à escola e um bilhete para a sessão da noite.
Agostinho ao ver fugir o seu sonho por entre os dedos e chateado com toda a situação, gritou do meio do cheiro de terra molhada e algodão doce:

– Eu quero ser Elefante! 
Salta para a arena e anda vagarosamente de pés pesados, sobe lentamente o pé ao banco, dobra o joelho e com a mão como tromba aponta-a para o céu e lança um sorriso de conquista ao seu herói de collants.

Cardinali não queria acreditar, assolou-lhe uma ideia, o primeiro circo com um elefante pessoa. Contratou-o!

Agostinho correu para casa e disse a todos que por ele passavam:
– Sou Elefante! Sou o novo Elefante de Cardinali!

Em casa a mesma euforia.
Os pais, incrédulos, foram ao circo tirar razões com Sr. Hugo Cardinali. Chamaram a policia e Agostinho chorava, chorava que doía, tanto que os pais prometeram que se ele aceitasse não ser Elefante, podia ser o que ele quisesse.

Hoje Agostinho é Tigre e às vezes domador no seu circo. Os pais vendem bilhetes e pipocas.
Um sonho é sempre um sonho.