Quem sou?

Eu sou na medida certa de uma mão, redondo e liso. Ao primeiro contacto sou frio e distante, mas passado um pouco, começo a aquecer. Por dentro sou espelhado e mostro o melhor e o pior de quem chega perto. Sou amigo e ajudo a corrigir imperfeições.

À primeira vista sou simples, mas à medida que as pessoas me conhecem, percebem que tenho segredos como todos, e tenho em mim mais para descobrir. Sou aventureiro e versátil, funciono tão bem de dia como de noite. Gosto de andar perto de quem me quer, mesmo que seja ao trambolhão numa mala de quem anda apressado pela cidade. Sou internacional e portátil, sou bonito e gosto da beleza das pessoas. Sou optimista, o meu único receio é ficar partido e esquecido numa gaveta.

Fui mandado fazer à medida do sonho da Sra. Dª. Doroteia, pelo seu marido D. Vasco, algures em 1830. Nasci como presente de aniversário.

Lembro-me exactamente do cheiro das velas e do calor que se fazia sentir na noite de 1 de Julho. Dentro da caixa ouvi cerca de 30 vozes diferentes e, de vez em vez, um “hoje estás tão bonita”. Era dela que estavam a falar de certeza. Nasci para a beleza, para a cor da pele, para o sorriso saudável.

“Parabéns a você,
Nesta data querida,
Muitas Felicidades,
Muitos anos de vida…”

E, vieram-me buscar. Estava tão entusiasmado! Ouvi rasgar o papel, risinhos de felicidade e de repente lá estava a Sra. Dª. Doroteia a olhar para mim. Se não fosse a felicidade dela, acho que tinha chorado de beleza tão desbotada, que sorriso mais torto e que bochechas tão ossudas, que sombra celeste tão ofuscante, nem olhos vi! Mas lá estava eu, ali, aberto, a provocar felicidade em ser tão bonito.

Encarei mais uma vez aquele rosto rasgado e, dia após dia, fui cumprido o meu dever. Um tom a mais e lá me fechava eu.

Abria-me com mais calma e menos tempo, assim fomos tornando o celeste só brilho e o sorriso mais rosado.