Ser Mulher (EP.5)

Comecei a escrever a achar que ser mulher era tão bom como ser homem, pelo menos aqui, nesta terra onde fui plantada. Escrevi e apaguei, voltei a escrever e a emendar, porque era generalista, porque não era verdade, porque não me devia queixar, porque para lá destes riscos que desenham países há pessoas para quem ter nascido mulher é sentença.

Comecei de novo, num tom heroicamente orgulhoso, já há marcas no chão de pés que andaram por areias que não se podiam pisar e que agora se podem correr.

Virei a página, endireitei as costas, inclinei o pescoço para o fazer rodar e, em substituição ao alívio que esperava, fui atingida por umas pontadas nas costas, como se dardos mal lançados fizessem da minha postura alvo. Não nasci no Iémen, não fui prometida, nem vendida, posso existir de coração e cabeça a descoberto, escolho a mesa onde me sento e o meu riso pode encher a sala. Sou uma afortunada por participar nos desígnios de um país, por dizer que não.
Porque raio me doem as costas?!
Somos dramáticas, exageradas, pensamos demais, como se medissem o que é trabalhar a pensar no jantar, o que é jantar a pensar no que a criança vai vestir amanhã, o que é estender roupa a pensar no trabalho e desligar com o peso do pó que há para limpar. Pensam que o cansaço do emprego a nós não nos afecta, sorrimos e falamos com boa postura, porque nós não mudámos a equação, nós acumulámos funções, continuamos a ter de provar o que está provado.
Não vêem que não somos cor-de-rosa, nós somos todas as cores do arco-íris!

(Diz Que Disse Podcast)