Puxei a cadeira de madeira pintada de azul com rosas brancas e assento de verga para perto das labaredas e sentei-me, com uma manta enrolada nas pernas. Achei mesmo que era o local ideal. Tentei ver o espaço para lá de mim, um lugar perfeito. Senti as bochechas a ruborizar e os pés a transpirar. Descalcei as pantufas e as pernas começaram a escaldar. Atirei a manta para o sofá.
O calor concentrava-se nos meus joelhos e roubava-me a inspiração que eu precisava que chegasse. Fechei os olhos num esforço de transformar o calor em aconchego, mas era impossível, naquele lugar era impossível.
Levantei-me com as calças de flanela azuis a queimar. Peguei na cadeira, no caderno, na manta e no lápis e mudei de lugar. Entrei apetrechado na cozinha, pousei tudo na mesa de mármore rosa e fiz um chá de cidreira. O cheiro entrava-me suave e doce. Decidi que era ali que ia vencer aquelas folhas em branco. Lápis em riste, um gole no chá, era só deixar fluir. Escrevi umas três frases que não sabiam para onde iam, risquei, escrevi mais uma linha e senti a cabeça pesar-me e dei conta do frio que me entrava pela ponta do nariz, era frio que acordava o desassossego e toldava-me as ideias. Era impossível escrever naquele lugar.
Agarrei no chá, na cadeira, no caderno, no lápis e na manta e, abri as portadas verdes e as janelas de corpo inteiro, instalei-me com mais um casaco no varandim banhado pela lua cheia que aclarava o breu da noite. Um novo lugar, uma nova folha, uma inspiração profunda, na esperança daquele ser o poiso ideal.
Pensei que seria mais fácil se conhecesse primeiro o ator principal da minha história. Manuel será um homem robusto de meia idade, barba aparada e óculos de massa castanha. Um homem com uma história para contar, ou com uma história para lhe acontecer. Parei e fiquei nessa dúvida, rabisquei uns quantos problemas que me ocorriam, mas a falta de tampo para apoiar o caderno e a dormência da perna direita, desconcentrou-me. Troquei o traçar de pernas e tremia de dentro para fora. Já há muito tempo não se sentia um Novembro assim gelado, o que transformava aquele varandim noutro lugar
impossível.
Danado, saí, deixei ficar ao relento a cadeira e o chá frio. Larguei pelo caminho a manta, o casaco, o lápis e o caderno. Deitei-me na cama de ferro, que recuperei da casa da minha falecida avó, sempre fora um sítio que me dera tranquilidade. Peguei no telemóvel na esperança da luz do ecrã enviar adrenalina para os meus neurónios e abri o bloco de notas.
Casei o Manuel, dei-lhe uma casa, uma esposa e um emprego, escrevi e apaguei alguns traçados de vida para lhos oferecer, mas os olhos pesavam-me e aquelas almofadas engoliam-me, por mais que eu me esforçasse. Uma luta
inglória que torna a minha cama em mais um lugar impossível e adormeço a rezar pela pele de todos os lugares impossíveis.