A hora dos contentes

A preguiça é um bicho de braços compridos e sangue quente. É um animal perigoso, principalmente por ser dócil. O facto de ser da família do camaleão origina a quem passa a curiosidade de se aproximar. Faltam-lhe as cores vivas que gritem cautela.

Hoje olhamos a invejar-lhe a calma, noutro dia a desejar aquele tempo, e o bicho disfarça-se de descanso, aconchega, e nesse embalo passa por osmose o veneno do amanhã, e deixamo-nos ficar pelo merecimento.

A preguiça tem um focinho sorridente quando enrosca as presas, rouba-lhes a energia dos cantos da boca. Outra característica que distingue estes seres, do resto do reino animal, é a sua reprodução se dar por meio de abraços e, numa sociedade cada vez mais fechada e apressada, tornaram-se numa praga. Cientistas de todo o mundo uniram esforços, livros e estudo de campo para conseguirem controlar o proliferar destes animais de estimação.

Depois de anos de regras de isolamento e distâncias sociais as pessoas apagaram memórias de gargalhadas ao sol e de conversas em esplanadas. A preguiça que agora substitui cães e gatos em andares e moradias camuflou o descanso em horas escorregadias entre sofás e camas.

Havia que mudar mentalidades, instituiu-se as quatro da tarde como hora de recreio, tocava a sirene dos bombeiros, que fazia as preguiças enrolarem-se sobre elas, e só quando todos os humanos pusessem um pé fora de casa é que a sirene se silenciava. Uma hora sem bancos, sem écrans, sem bichos.

Nos primeiros meses olhavam-se de longe, depois passaram a experimentar mexer os braços e as pernas, devagar, e só ao final de um ano de sirenes e portas aprenderam a reagir e a resgatar movimentos de lábios. Dizem os entendidos que o ser humano demora metade do tempo da doença para atingir a cura.

Passaram dois anos, já há quem saia antes do tempo e se demore a regressar a casa, aprendem de novo que podem tocar-se, que o movimento também traz paz. Decaíram os números de suicídios, aumentou a taxa de natalidade e sonham com a salvação da raça humana.

Uma hora por dia, a hora dos contentes!