Não sou de lugar nenhum

Não é o sítio que se procura, é o sentimento. O nosso lugar não é uma terra, é o aconchego de pisar um chão, seja ele onde for. Ou melhor, não é bem o chão, são as pessoas que pisam o mesmo chão. Chego quase sempre aqui, às pessoas. E depois acho que esta constatação não é uma verdade absoluta. Atrapalha muito não haver verdades absolutas. Não é bem atrapalhar, é dificultar. Sendo que às vezes resvalo na sensação que não é dificuldade, é liberdade. Mas se é liberdade porque é que não se entranha? Devíamos conseguir escolher o que entra dentro de nós, devíamos ensurdecer frases, cegar imagens, destruir memórias.

Seria mais fácil não ser de lugar nenhum? Ou quero eu dizer, ser de ninguém?
As pessoas misturam-se umas nas outras e fundem-se com lugares chão. É como as casas, as casas ficam com a nossa história entranhada nas paredes furadas. Ou somos nós que ficamos com a casa gravada na pele dos anos?
Eu acho que nunca absorvi paredes, nem camas, mas também não me lembro de nenhuma porta ter sido chegada. Lembro-me, ainda assim, de ter perdido um quarto, e não foram móveis ou a morada que me apertou a almofada, foi a sensação de ninguém precisar de ter um espaço para mim, foi visualizar que não pertencia ali, a lado nenhum.

Nessa altura, a terra chão virou contra mim anos e anos em que tentei escavar, escarafunchar para me plantar numa terra que não era minha. Tive desde cedo essa noção, que tinha sido plantada no sítio errado, sem nunca ter descoberto qual era o certo.

Cresci numa vila e tinha orgulho de ser de outra cidade, sabendo que a cidade não era minha. Queria muito ser de outro sítio e esses grãos de areia feitos pessoas cresceram dentro de mim mas o sal do mar fugia-me dos cabelos a cada banho de chuveiro e nunca aquele rio me baptizou.  As raízes não se fixam quando nos transplantamos várias vezes por ano.

Tinha a vida num sítio, o coração noutro e a dor dividida em duas terras sem quarto.

Fui deixando sementes nesses quatro campos de batalha. A chuva tratou de não matar nenhuma das plantas e faz braço de ferro com o Sol num jogo de vida ou morte… Não morrem plantas, nem vivem pessoas!

Eu vivo sem saber das raízes e a tentar não perder as sementes, vou visitar as pessoas e tento perceber se a terra chão tem um sítio para mim. Nos intervalos sabe-me bem um chão pedra com companhias que só mostram flor e devagar começo a acreditar que o meu lugar é a planta dos meus pés. Se calhar eu sou o meu lugar e não quero ser, porque o me falta não é o lugar, o quarto ou a capacidade de andar a pé, são as pessoas que são casa, as que abrem sempre a porta, as dos abraços que não enrijecem músculos, são as pessoas raízes, são os lugares incondicionais, e plantas dos pés vão a lugares, não são lugares. 

Eu não sou de lugar nenhum.