Adeus 2022

Alguém fez a contagem decrescente e a sala foi invadida por gritos, música, costas para o cameraman, ao mesmo tempo que do breu da janela irrompiam tiros coloridos que calavam o sossego do contexto. Não sei se senti maior ausência no barulho ou se no silêncio que o antecedeu. Sem saber o que esperar, sabia que não esperava aquele desfecho, tal como não esperava que a incerteza durasse mais quatro meses, nem que em cima dela caísse a minha avó, ou que o coração pudesse ser ainda mais rasgado.
Sempre disse que sou sazonal e com as primeiras flores o sol foi aparecendo num Verão que prometi ser de areia nos pés. Foi um bocado a ferros e talvez por isso tivesse tido tanto frio, aprendi que não se devem forçar lugares, nem pessoas, quando o que nos faz encher o peito dorme ao nosso lado, quando o que sabe melhor não tem hora marcada, nem para vir nem para ir, e o Outono veio tardio e doente, trazendo de volta o sabor do ninho e a magia das luzes.
Deixei-me ficar embrulhada na manta do sofá onde não cabem as minhas pernas e vi chegar o frio de novo, embrulhei-me no meu aquecedor contador de histórias e vi-me muitas vezes no espelho.
Recusei lugares e pessoas e, de repente, alguém fez a contagem decrescente e a sala foi invadida por gritos, música, costas para o cameraman, ao mesmo tempo que do breu da janela irrompiam tiros coloridos.