Élia

Andava enrolada nas ondas da praia sem saber o que queimava mais, se o sol, se o sal, a verdade era que as dores eram já muitas e o céu cada vez mais se confundia com o mar. Esta ilusão de óptica muitas vezes é imagem de paz e horizonte, mas naquele momento era agitação e desnorte. Nessa embrulhada de pernas e areia comecei a ouvir ao longe um canto de sereia.

Tapei violentamente os ouvidos e abri a boca rasgando a carne enrugada que a separa das orelhas, e ao contrário do instinto, que nos fecha os olhos no grito, deixei a espuma marear-me as luas cheias que me ligam ao mundo. Queria calar rochas e sereias e rasgar as roupas azuis dos marinheiros. Quanto mais gritava, mais silencio havia e num intervalo de sete ondas estiquei a mão ao vento e o sol estilhaçou-se em pedaços de cristal num céu que pintou a água de preto, parecia que as fadas que vivem nas rochas rachadas tinham saído para as ondas saberem onde era o mar.

Numa das voltas cuspidas que dei, fiz mais que respirar, olhei o brilho da fada e pedi-lhe para me levar. Sorriu como se me esperasse e ajudou-me a endireitar. Sei que voa alto, que o sol a alimenta e a lua a faz brilhar, é fada da praia, das que varre espumas e conchas, estica areais e deixa entrar vagabundos e princesas que se queiram banhar. Sei que voa com um pacto de silêncio ensinando a voar.

Hoje brilha mais que os cristais do céu, que a bola de fogo do ar, hoje é dia das asas da fada poderem pousar e, olhando para as asas que me deu, só posso querer agradecer à fada farol que se senta comigo à beira-mar, por pairar a praia onde eu fui naufragar.