Sentada na minha diagonal, estava entretida a ler, já há umas estações que não levantava o olhar.
Estive a apreciar o fio de cabelo avelã, caído e esquecido.
Queira Deus que vá até Faro!
Inexplicavelmente estou num êxtase que me impede de parar dois segundos, já cruzei e descruzei as
pernas umas dez vezes, nem sei onde colocar estas mãos que não se aguentam de calor dentro dos
bolsos. Queria tanto que olhasse para mim, queria ver a cor dos olhos. Será que são verdes como os
da minha Manuela? O cabelo jurava que o tinha roubado, não fosse estar atado, a Manuela não
prendia o cabelo, dizia que se partia e estragava, como tudo o que era preso. A Manuela ia sentada
naquele lugar e eu ia ao lado dela. Faz hoje precisamente um ano, ia a ler Siddhartha, dizia que
gostava de livros que não se sentissem na mala, mas na alma.
Daqui não consigo ver o título do que lê, mas parece-me mais pesado e ela um pouco mais nova. Pinhal Novo, estamos quase a chegar onde os meus ouvidos explodiram. Íamos quase a meio caminho. Vou tentar distrair-me, ver o que
se passa pelo facebook, há tempos encontrei uns colegas do liceu, quando tenho saudades ainda vou ver o da Manuela.
Entretido saltou-me o Tunes aos ouvidos e berrei, foi uma revolta dos pulmões comandada pelo coração, caíram telemóveis, livros e houve corpos a descolarem-se levemente dos bancos.
Que vergonha a minha! Pedi desculpa.
Da diagonal olhou bem de frente para mim, não era Siddhartha e não eram verdes os seus olhos. Apresentou-se, Manuela. Ficou a viagem ao meu lado, a ouvir a minha história, a contar-me a dela. Sabia do acidente, das mortes e dos feridos, não sabia de mim, nem morto, nem ferido, porque dos que sobrevivem não reza a história.