Árvores

Andavam loucas, abriam as bocas e levantavam os braços, bebiam álcool puro seiva, arrastavam os pés no chão, como quem arranca raízes, juntavam-se umas às outras à luz do dia, eram dadas como interditas a jardins com bancos de madeira porque os abraçavam com vigor e engravidavam deles.

Não gostavam de pés pequeninos que lhes pisavam o musgo e trincavam dedos, como se elas não sentissem dor. Também não gostavam de pés grandes que ora as regavam, ora as machadavam e queimavam como bruxas de magia negra. Em vez de sombra traziam escuro, do que faz nascer fantasmas ao vento, que com elas uivavam a quem se aproximasse. Aprenderam a arte da guerra usando braços como lanças em dias de temporal e folhas como portões trabalhados para dias de calmaria. Eram caras com expressão de quem já tinha secado a voz de tanto terem falado a ouvidos moucos de pássaros que estavam sempre a trai-las em voos fora de horas, recusavam flores e outonos, umas amarrando folhas em castigo vitalício, outras tendo despejado cada uma das verdes inquilinas para a rua da amargura de pés molhados e poças de cinza pneu. Eram olhadas de lado pelas misses enfeitadas de Carnaval que vivam para que os pés próximos se pendurassem e, em contrapeso, as despissem sem pudor.

Inspiravam histórias de loucos que fugiam entre troncos e se escondiam em buracos para pregar sustos a esquilos malfadados que se atreviam a ferrar unhas na cortiça milenar. Sabiam mais dos pés que as tentavam rodear que eles delas, tinham visto os avós dos avós a namorar escondidos, tios dos tios em duelos hereditários de famílias vizinhas que se digladiavam por mais um pedaço de terra, e elas, metade num reino debaixo do chão e a metade de cima no reino vizinho, sabiam de segredos que fariam parar guerras ou iniciar batalhas campais, mas por mais que crescessem altas e verdes e vistosas nunca as suas falas chegaram a quem as quisesse ouvir.

Cansadas, amputaram ouvidos e viraram as costas ao sol, vedaram a chuva de penetrar a festa que faziam de risos maléficos cheios de dor e silêncio e, na loucura, davam-se ao suicídio da morte lenta e imperceptível para os iguais, que as achavam arrogantes e marginais. E nessa linha ténue do que eram, não seriam mais que árvores vividas de poucos abraços e sonhos amputados de clareiras felizes que não viam.

E assim, sem ninguém saber, morriam.