Pequenos Prazeres (EP.2)

Há publicidades que nos ficam cravadas, não pela marca ou pelo gosto dos produtos, mas pela mensagem que inserem dentro de nós.

Um escritório cheio de pernas e braços, algumas cabeças, folhas e pastas e telefones a tocar, tudo cheio de movimento, qual autoestrada onde ninguém cumpre limites de velocidade. Cabelos amarrados de laca e ganchos para não se despentearem no caminho, um barulho de fundo que é confundido com silêncio de trabalho.
E ali, numa daquelas secretárias estranhamente arrumadas, uma mulher numa camisa aprumada, pega amigavelmente num iogurte e sorri-lhe, descola vagarosamente o alumínio que dormia no plástico e no preciso momento que a colher aterra naquele poço de brancura entra a Björk com o “It´s all so quiet” e, ao primeiro Shhh, ficam folhas suspensas no ar, passos congelados, palavras a meio, corpos em desequilíbrio. A mulher da secretária delicia-se com o que eu suponho ser o iogurte mais doce do mundo, demora-se, respira, olha para mim como se me conhecesse,
leva mais um pedaço à boca,
e outro,
e outro,
cada um a seu tempo,
fixa-se em mim de lábios satisfeitos e deixa cair aquele copo de iogurte no lixo de recados.

Acaba a música, equilibram-se pessoas, voam as folhas, toca o telefone, retomam-se conversas, afasta-se o plano e continua a vida.

Imagino-a a chegar a casa já no lusco-fusco, a despentear o carrapito com a mão que tem livre, a descalçar os sapatos envernizados, a sentar-se no sofá com um suspiro de “Já está!”.

Pergunto-me do que fala ela depois de lhe questionarem “como correu o dia?”
Do caso mal resolvido?
Do colega novo?
Da dificuldade em arranjar estacionamento?
Mas mais do que isso, qual seria a resposta à pergunta, “se pudesses escolher, que momento do teu dia de hoje repetias amanhãs?”.

(Diz Que Disse Podcast)