Vaguear

(ilustração de @mouro.ao)

“Nem todos os que vagueiam estão perdidos”*, alguns vagueiam exactamente para não se perderem, para se manterem encontrados, para se consolidarem enquanto seres diferentes dos que correm, dos que não param, dos que se perdem.

Vaguear é encontrar o equilíbrio, é deixar o ar entrar, o sol aquecer, os olhos verem e os ouvidos ouvirem. É deixar o cérebro processar, fluir, esvaziar ou encher. É recarregar.  É andar sem direcção, mas saber o destino. É ver cores novas nas antigas, descobrir recantos escondidos à vista de todos.

Quando se está com a cabeça enfiada no relógio este cobre-nos os sentidos, como umas palas de cavalo e, sem visão lateral, a vida passa ao lado. Evita distracções, distraindo os mais distraídos, orienta para o caos, para o abismo, para o emaranhado de obrigações, deveres e responsabilidades. Cria amarras com algemas de pompons coloridos, doces e desejados. Ofusca em tons de arco-íris os sonhos de potes de ouro que um dia se tiveram. Passa-se a acreditar que o azul vale por si, sem contraste, sem ouro, substituído apenas pelo amarelo. Acredita-se que o amor é o vermelho numa subida que apenas nos faz descer depois do topo. E se na vida existir verde esperança, acredita-se que está tudo bem, afinal há laranjas que se comem, violetas em jarros a animar paredes brancas e roupas tingidas de anil numa falsa tentativa de ser ecológico.

Anda tudo baralhado e a mistura de cores, não é mais que cinzento, cinzento que escurece com os anos, com a falta de luz, faz morrer as flores, apodrece a fruta, finda casamentos e mata a esperança vestida de alta costura. Daquela moda que substitui o quente pelo bonito, que desnutre ícones de 16 anos.

E depois?

Depois vagueiam, perdidos.

Fazem força para que a banana que substitui o pescoço se mexa, ganhe força para levantar o cacho que tem na extremidade. Peso só suportado se as palas nos olhos passarem a servir de talas. E tentam abrir os olhos, doridos de brilhos, de pratas, de cobre, de bronze que pensavam não existir. Esse novos vagueantes precisam respirar devagar, para não asfixiar, precisam tempo sem cronometro, sem contagem decrescente para que possam seguir. Para que possam viver.

Que o vaguear é cura e não doença.

*J.R.R. Tolkien