Avô Zé

Pedro Pedra da Rocha Calhau, chamava-lhe o avó Zé, de cabelo branco prata e olhos azuis. Tinha herdado a ladaínha do nome quando, ainda em tenra idade, se recusava a largar alguns hábitos vistos como desapropriados depois da terra o chamar para trabalhos forçados.

Pedro cresceu a madrugar com os galos das couves, matava o bicho com pão e leite para desgosto do avô que achava que homem que é homem bebe tinto. E todos os dias entre a leitura do borda d’agua e umas rimas poéticas de histórias antigas, lhe recomendava a receita para aguentar, sem transpirar, uma boa braçada de lenha.

Era só colocar o vinho de produção caseira numa malga, juntar uma gema de ovo, esfarelar sobras de pão do jantar e juntar mel a gosto. Afinal não era assim tão difícil e alimentava o corpo e aquecia a alma. A seguir desta refeição não havia remelas ensonadas que não voltassem para a cama.

Depois de anos a ouvir a mesma conversa, decidiu experimentar. Afinal o avô sabia tanto de luas e estações do ano, que se calhar, quando conseguisse ultrapassar o aroma azedo que emanava da porcelana amarelada que era vizinha da sua caneca de esmalte todas as manhãs, ia dar razão ao seu mentor.

Foi na manhã dos seus 14 anos.

Ao fundo ouvia em tom grave “Aaiai Pedro Pedra da Rocha Calhau” depois de ninguém o conseguir demover da ideia de utilizar dois dedos em bloqueio olfactivo, para evitar vomitar a fome da última refeição.  

Encheu o peito de ar, pegou na tigela com o preparado mágico e fez-se homem. Recebeu aplausos e durante todo o dia, a acompanhar o zumbido que tinha nos ouvidos e que lhe ecoava entre orelhas, foi apelidado de Pedro, O Grande.

Deitadas as galinhas, sentou-se, a custo, à mesa de madeira, onde lhe esperava água morna de lavar legumes e uma fatia de pão, que era expectável que ainda sobrasse para esfarelos madrugadores do dia seguinte. O peso de todas as braçadas de carvalho que tinha carregado naquelas 12 horas estavam concentradas bem no cocuruto do seu metro e meio. Pedro, continuou a ser O Grande durante o jantar, mas mais que nunca se identificava com Pedro, O Grande Calhau.

Finda a degustação hidratante, que tinha como lema, para ressonar não é preciso rebolar, arrastou os pés no soalho velho que calçava todo o caminho entre a mesa e a cama e deixou-se cair no colchão de palha. Demorou quase toda a noite a adormecer, não conseguia fixar a cabeça por mais que a enterrasse nas penas da já comida Ofélia, a galinha de Junho.

O Sol lá girou e despertou o Galo das couves, o avô Zé e o Pedro. Acordara meia tonto, mas refeito e decidido a ser Pedra, a ser Rocha mas nunca mais, O Grande Calhau. Voltou ao leite como amante do pão e à ladainha do avô. Afinal, cada um tem a sua magia, seja tinto ou verde, a dele era branco em caneca e uma boa noite de sono.