Não me lembro de te ter aberto a porta, mas lembro-me bem do dia em que disseste que não ias mais entrar, disseste-o de costas voltadas ao fundo das escadas, o meu grito ecoou em todos os degraus.
Fiquei na janela a ver-te fugir, chorei-te no vidro frio, ralhei com o breu do tecto, e ofereci o que tinha para te dar ao vento.
Larguei as cortinas brancas, voltei para dentro e as paredes moviam-se lentamente umas contra as outras, acho que até a rua ficou mais larga, abriram-se rachas nos cantos do quarto e a chuva pingava-me a cama, ensopou-me a almofada e o teu cheiro esvaiu-se dos lençóis que apertei contra o peito, ficou só um pano que não tapa os pés, enrolei-me para que voltasses, para que te arrependesses, para que, da mesma forma que o sol desapareceu, brilhasse.
Sempre tive medo de noites epilépticas, quando os raios acertam em alguém mudam-lhes a vida para sempre e essa foi uma noite de inverno. A ti, entrou-te pelo peito, mudou-te a frequência, a mim, queimou-me os pés já doridos de outras estações.
Às vezes passas à minha casa, tocas à campainha, e eu olho para cima para ver a cor das nuvens e deixo-te entrar, ficas sempre na soleira da porta e o vento sopra cada vez mais forte, levou o sorriso que eu via nos teus olhos, despenteou-te a vida e eu continuo a ver-te partir através da minha janela.