Andava pelo edifício a deambular palavras, há quem cante, quem fale sozinho, ele passeava poemas, tinha pegado ao colo as dores de outrem, os amores de alguém, sussurrava histórias ao chão.
Via-o passar pelos corredores de portas brancas e perguntava-me o que escondia naqueles poemas. Das duas ou três vezes que lhe interrompi o recitar com um bom dia, calou-se, olhou-me, acenou e seguiu em silêncio. Mas as palavras ecoavam pelas paredes, não que fossem audíveis, que murmurava, mas as coisas que perduram nem sempre são barulhentas. E ele vinha comigo para casa, na minha cabeça, aquelas palavras perdidas que ele encontrava,
encontravam-me a mim e eu tentava encontrar-me nelas e com elas a ele.
Ensinaram-me que as palavras ajudam a decifrar pessoas e estas baralham mais que esclarecem. No outro dia, peguei num lápis e num papel e fiz-me despercebida atrás dele, transcrevi o que ouvi e guardei para ter companhia ao jantar. Li e reli e não soava a letras conhecidas, pesquisei a charada que tinha rabiscado e nada de correspondências. Se calhar as dores e os amores são dele e de mais ninguém. Queria-as para mim também.
Há um poema que eu gosto muito, fala de se ser, percorri-o na minha cabeça, ainda o sabia todo, pensei-o mais uma vez e ele plantou-se de madrugada no meu peito e acordou na minha boca.
Cruzámo-nos numa das portas altas e sem nos interrompermos, olhámo-nos nos olhos, deixámos esbarrar as palavras que baixinho se fundiam e confundiam, sorrimos letras, juntámos lábios e o poema silenciou-se.