Personificação

Inês,

Os meus pés afundavam-se entre grãos, raízes, restos de folhas e alguma lama, sentia-me preso ao chão. Às vezes, quando o vento era mais forte, aproveitava o balanço para tentar voar, fazia-o desde criança, com desejo de acabar com aquele aperto que todos diziam que me manteria vivo, mas a mim só me tirava o ar. Aquela sensação de ter sido enterrado vivo trazia-me noites onde deixava cair a cabeça e ficava inerte a sentir escorrer as lágrimas pelo pescoço, gota por gota, contando os segundos para que a luz voltasse a atingir a minha icterícia crónica.

A felicidade vinha com céus desafogados de nuvens e com dias de Sol a descoberto. Olhava para cima e fechava os olhos para sentir aquecer os fios de cabelo ordenados em volta da calvície que aumentava na proporção da minha idade. Invejava os que podiam sair do sítio, os que tinham o poder de usar as pernas, ou as asas, ou que simplesmente eram escolhidos por serem os mais belos e viviam em casarões cheios de mesas e sorrisos. O meu irmão tinha sido um desses sortudos, saiu de casa de mão dada com a Sofia e nunca mais voltou. Claro! Ninguém voltaria àquele anonimato de quem vive no meio da multidão.

Naquela manhã, ouvi uns passos cada vez mais perto, um risinho nervoso deixou-me ver a tua silhueta perfeita. Endireitei as costas, levantei a cabeça e sorri.
Embarquei contigo num sonho de vida, onde acreditava ter um futuro melhor.

Pouco tempo depois descobri que a tua silhueta não sorria, que o Sol não era convidado na nossa casa, que a água apodrecia, que o meu irmão morrera e o meu sonho não era vida. Morria.

                                                                                                               O teu Girassol.