Peça de Teatro

Mariana aproveitava o café à porta do escritório para passar os olhos pelos títulos do jornal. Um prazer misturado com angústia, era a primeira altura do dia em que tinha a noção que nunca tinha tempo. Das gordas todas que lhe entravam pelos olhos podia escolher uma magrinha para ler. Hoje, a eleita foi sobre uma peça de teatro, um one man show.

Num rasgo, um grito do Ipiranga, guardou o jornal e começou a atravessar a rua enquanto ligava para o escritório a informar que ia chegar atrasada.

“Chega!” Pensou. “Vou comprar o bilhete para a estreia, ninguém morre com meia hora de atraso em 20 anos de serviço!”.

Decidiu correr, fintar as pessoas que cumpriam horários, ver a rua com outra velocidade. Ouvia os carros e a cada buzina sentia esticar o sorriso, o ar entrava mais limpo pelas suas narinas pontiagudas, os olhos humedeciam pela aragem empurrada pela sua determinação. Esbarrou na porta de vidro, como se tivesse levado com uma pá de forno. Gritou um “AAAAAaahhhh…” do tamanho da cidade. Bateu à porta, espreitou por entre as mãos no vidro baço, fez tamanha pressão que parecia que o ia trespassar, tanta que caiu hirta no chão quando lhe abriram a porta. Os nervos espetaram-se na pele, fundiram-se nos músculos, viajaram nos leucócitos, apoderaram-se das suas mãos e entre esperneios e murros no chão, ligou para a firma de advogados e despediu-se prometendo comprar uma casa na praia e arranjar um cão.

Sentiu que lhe desapertavam o cinto das calças, o soutien, que lhe tiravam os sapatos e lhe vestiam uma confortável sweatshirt. Levantou-se como se tivesse acabado de tocar o despertador. Meia encadeada com a luz nos olhos viu toda uma plateia levantar-se e aplaudir.
Ficou ali, absorta, até o pano cair.