Quando as lágrimas escorriam sem autorização, inclinava a cabeça para trás a ver se voltavam para dentro, na esperança de lhes mudar o rumo, mas tudo o que conseguia era tornar os olhos lagoas, que tal como as barragens, transbordavam quando estavam demasiado cheias.
Como a profundidade exterior era incomparavelmente mais rasa que o poço interior, tudo o que fazia era que a marca causada na maquilhagem, posta à pressa entre um olhar para o relógio e uma cantoria para marcar presença para o seu bebé, fosse uma pintura de halloween, emendada a seguir com folhas de limpar as mãos, ásperas como sentia a vida naqueles dias.
Levantava os braços e tentava coordenar a respiração, mãos a tentar chegar ao tecto e inspirar numa tentativa de receber de volta o ar que parecia fugir de dentro dela e de seguida, largava os braços e o ar. O alívio que recebia era mais do esforço do movimento anterior ter acabado, do que do exercício ter surtido efeito. Olhava-se ao espelho e repetia, em murmúrio, “está tudo bem, os dias bons têm 24 horas e os maus também, tudo passa”.
Virava a cara, voltava a imaginar chegar com as pontas dos dedos ao candeeiro, voltava a roubar o ar à sua volta e mais uma vez largava tudo, a mesma ladainha e lá ia ela, em passo apressado para enganar quem a via. As pessoas percebem melhor uma pessoa ocupada que uma pessoa triste.