Um dia último

Fui à Janela e vi um emaranhado de folhas no ar, muitas, livres e revoltadas, desorientadas, como um bando que tivesse perdido o Norte. Umas castanhas mais claras, outras mais escuras, parecia um baile de jogo da cadeira, descompassado, apressado, e ansioso.

Fiquei ali a bebericar o meu café com leite, deliciada com o sabor cremoso que me beijava os lábios, inebriada com o movimento e energia que acontecia para lá do vidro. Tive uma vontade assombrosa de ir e voar, deixar-me ser levada pelas rajadas de vento que me chamavam para passear. Ouvia-o claramente, o vento tinha-se juntado com as ondas do mar, sopravam-me ao ouvido, assobiavam-me em murmúrios de quem quer companhia.

Era um segredo só nosso, este confessar de solidão. Em silêncio, para não interromper, encostei a mão ao fino gelo que nos separava, estava húmido, molhado e escorregadio, como todas as coisas tristes. Olhei-o nos olhos, ao vidro, ao gelo, ao vento que trazia mar, às folhas… não eram só folhas, eram flores, cactos de dunas, era areia, era praia no ar.
O que me apetecia um mergulho!

Pousei a chávena no parapeito da janela. Deixei a minha testa amparar a grade que separava o dentro, do fora. E os meus vizinhos de hoje falaram ainda mais alto, suspiraram, gritaram, as folhas jogavam-se a mim, a ver se me pegavam, caiam e voltavam, com força, com a convicção de quem sabe o que faz. Já há tanto tempo que ninguém chama por mim assim, com vontade e certeza. Vou só espreitar, vou só dizer que estou aqui, que oiço, que vejo, que percebo o que é sentir que ninguém nos quer por perto.

Virei suavemente o puxador da janela, e entraram de rompante cá em casa, entraram todos, taparam-me a boca com os meus cabelos, sopraram-me para os olhos, tiraram-me a roupa, e lavaram-me a alma. Dancei de braços abertos, rodei, balancei para cá, para lá, o ritmo era cada vez mais alto, as janelas soltas batiam forte, estavam elas também em libertação, saltei, saltei muito, saltei alto…

saltei…