Ernesto preparava-se para o pedido de casamento, tudo planeado, caixa de veludo no bolso esquerdo do casaco, aprendera que esse era o lado do coração, rota traçada para o passeio no jardim depois de jantarem no restaurante preferido dela, regado com uma saborosa sangria de frutos silvestres.
Tinha tirado o dia, em segredo, para contar os passos que o levariam ao pé da fonte luminosa onde Amélia gostava de tirar selfies que, depois, pendurava na sala de estar. Eram 20 passos em frente e junto ao bebedouro virava à esquerda, mais 10 passos estaria junto ao banco empanado, que tanto fazia reclamar os passantes cansados, outros 15 passos e chegavam ao cruzamento dos malmequeres, seguiam pela direita e 30 passos estavam junto à fonte fresca, onde a água caía compassada. Amélia ia querer parar para olhar a fonte cheia de luz e era aí o grande momento.
Ele sabia que Amélia era a tal. Adorava o seu cabelo brilhante, como todos os cabelos lisos, onde se perdia entre cafunes e séries na televisão, arrepiava-se só de pensar na pele macia das suas bochechas, do seu pescoço que se arrepiava quando lhe passava a ponta dos dedos e que fazia Amélia sorrir. Ela era a personificação da beleza, 7 palmos de energia que já havia percorrido com as mãos, com a boca, com toda a sua alma. Amélia tinha os olhos rasgados e pestanudos e eram aqueles olhos que o guiavam quando percorriam terras desconhecidas.
O que se podia desejar mais?
Alguém que nos guie quando não vemos, onde nos perdemos, alguém que sabe que esse reconhecimento de terreno é retribuído com um aviso de cautela quando um perigo se aproxima no meio de uma distração de um cérebro cheio de imagens a mais.
Tinham-se conhecido por amigos comuns num concerto de Pearl Jam. A música ao vivo dispara a hormona do amor, todos sabem!
Para Ernesto as coisas mais belas do mundo são a música, a liberdade do sol e as pessoas. Nas pessoas estava recheado das mais belas. A sua Amélia, o seu irmão Viriato, companheiro de tardes a brincar com o Farrusco rua fora e mais um punhado de amigos. Tudo pessoas cegas, pessoas que não vêm para lá dos seus óculos de sol Ray-Ban, essa era a maior beleza das pessoas, serem cegas à sua cegueira.