Não é a hora.

Mais uma manhã que pesava, parecia que todos os galos da vila faziam dos ombros de Adelaide poleiro, onde cravavam as unhas sujas de terra para ganharem força para cantarem a alvorada. Já pouco saía de casa, mas fazia questão de se vestir e maquilhar como se fosse dia de festa. Dizia que quando não se aperaltasse belzebu a viria buscar. Sabia que não podia escolher a data, mas que tinha um papel importante na criação da oportunidade.

Silenciosamente culpava Ramiro por se ter entregue. Andava pela casa cheio de borbotos, afundava-se no sofá e abandonara à ferrugem a sua caixa de ferramentas. Sabia que o homem da foice apenas estava demorado porque viviam a 1km de lado nenhum.

Para aliviar os ombros Adelaide ligava a grafonola dourada e imaginava-se ainda de cabelos castanhos e vestido rodado, a rodopiar ao som da filarmónica dirigida pela batuta do seu amado. Ramiro trocara a batuta pela chave de fendas e recusava-se a trocar a caneta pelo computador. Era um homem de paixões e ela apaixonada por ele. Ele sorria e a Adelaide brilhavam-lhe os olhos, ele tocava, ela dançava, ele construía carros de madeira, biombos de jardim e ela dava-lhes uso, em lugar de destaque na entrada da casa de portadas verdes.

Até que Ramiro passou a trocar o gel duche por manteiga, acreditando piamente que estava a banhar-se com o produto certo, a comer sentado na sanita gritando que alguém lhes roubara a mesa que tanto amor dedicou a construir. Havia dias que chamava Maria a Adelaide e outros que jurava nunca a ter visto.

Ela não chorava porque tinha medo que se a tristeza fosse visível, os levassem em par, mas sabia que Ramiro não se importava de ir, na realidade ele já não estava lá. Até que a morte os separe, assim seria. Mas promessa não era partirem juntos.