O despertador tocou à hora marcada mas, em vez de despertar, deu aval para despedir o lençol branco bordado e o cobertor castanho terra. Estava acordada fazia tempo, não sabia bem quanto tempo, tinha-se proibido de olhar para a luz cega do ecrã, e em vez de minutos contava respirações, que atrasava para que o coração não acelerasse sem ordem, guardando a esperança vã que uma inspiração profunda, de dez em dez, aliciasse o afamado João Pestana.
Não sabia se era quarta ou quinta-feira, mas tinha a crença que o cansaço havia de vencer e colar-lhe as pálpebras uma noite destas, idealmente entre sexta e domingo. Assim, ergueu o tronco e agradeceu não ter sucumbido na almofada a meio da semana.
Tirou a roupa desalinhada e lavou os ossos mascarados de pele para aquilo que devia ser mais um dia, em vez de ser apenas mais uma sequência de rotinas que separam quadrados num calendário.
São os dias definidos por horas que passam, por adormeceres noturnos ou por repetição de hábitos?
Sempre tivera estas perguntas na cabeça. Quando falava das noites de conversas infindáveis e bem regadas referia-se sempre ao dia em que o ajuntamento se dera, passasse o evento da hora da Cinderela ou não.
Neste momento, não sabia se conseguia clareza de pensamento para explanar estas questões que lhe povoavam a mente, quanto mais as rodas do relógio “tiquetavam” mais as ideias se confundiam. O dia tinha já muitas voltas das rodas do círculo e ela desequilibrava-se, e desfocava-se, e sentia-se a rodopiar, sem conseguir fixar um ponto de referência.
Não sabe bem como é que o tempo passava demorado e, ao mesmo tempo, lhe fugia, lhe batia, e a enterrava, e quando se rendia, a puxava e levantava com um beijo de “preciso de ti aqui”.
Tinha o tempo e o dia encarcerados no peito e, de lágrimas nas fontes, afogava palavras, distorcia discursos e perdia o rumo.
Quando acordou, noutro dia qualquer, transformou o maior dia da sua vida na sua mais pequena história de amor.