Estávamos a meados de Agosto. O céu caía há três dias consecutivos, quando te vi pela primeira vez defronte da vitrine da minha sapataria. Bem-posta e bem vestida jurava-te bailarina, não tivesses tu uns pés tão perfeitos. Trazias os olhos molhados como a roupa que vestias. Entraste na loja, num ápice, tão depressa como na minha vida. Minha Eugénia…!
– Aprendi a fazer roupa e não sapatos! – ainda oiço a tua voz trémula.
– Perfeito! Eu não percebo nada de trapos. – Pensei em voz alta de mais.
Ainda me faz corar tal episódio, e a ti rir. Como me enche o sorriso, a tua gargalhada dobrada, mesmo depois de tantos anos sobre a descoberta de ti, mulher pecadora, infiel, tão rosados que são os teus lábios que nunca lhes vi o vermelho da loucura. Minha Eugénia…!
– Álvaro! Estás perdido de novo no tempo?! Tu e as memórias têm problemas de espaço.
– Verdade minha pessoa. Mas estou de volta agora, longe da sapataria e da tua casa de provas.
Respondi-lhe com um sorriso treinado. Mentira! Estava lá na sapataria, foi aí que descobri que a Minha Eugénia não era anjo. Entre caixas e sapatos desfiz-me em trovoada e solas perdidas. Descobri que a amava mais do que a Deus, porque rezei até esgotar as palavras e, quando tudo se encheu de silêncio, renunciei ao mais alto Ser e assumi-me humano, louco e comprei-lhe uma pedra grande e pesada, das que brilham no dedo e se mostram na rua, como perdão e promessa.
– Álvaro, que me querias contar?
Tremi, foi o tom de voz, o aproximar da sua mão ou os olhos abertos, todos em cima de mim. É o peso do segredo, saber que três não é a conta que Deus fez, não era para ela antes da pedra, não é para mim.
É pedra que enterra e junta, que pesa e segreda.
– Minha Eugénia… Já viste o que chove?!