O Manuel foi despedido, fez uma carta de indignação contra a chefia e contra a empresa.
A Sandra chorava, garantia que tinha falado com ele, que todos os dias depois dessa conversa tinha sorrido e, que todos os dias tinha estado lá pronta para ajudar.
A Isabel disse à Sandra que o Manuel ia ter de melhorar o seu desempenho, que as vendas teriam de subir e que tinha de colaborar mais nas tarefas comuns. Tinha sido a reunião de chefias e o contrato do Manuel renovava dali a dois meses.
A Isabel é chefe da Sandra que, por sua vez, é chefe do Manuel. A Sandra é nova na função, ficou com o cérebro a processar o desafio que tinha pela frente. Não conseguia imaginar como ia puxar a conversa, não queria ser demasiado alarmista, nem demasiado branda. Ficou a noite toda a pensar, repensar, imaginar discursos, reacções e resultados. Os pensamentos tornaram-se bipolares, ora estava de saia traçada, camisa branca e sapato de salto alto, com um discurso tão directivo que até a fileira de formigas que vivia à saída de sua casa iria mudar de direcção. Ora usava umas calças de ganga azuis escuras, túnica branca e rabo de cavalo que iniciava num amor-em-tóquio e, de tão suave que a conversa lhe saía, acabava com ela a garantir ao Manuel que ela mesma ia ser mais participativa nas tarefas, em que ele não mexia uma palha, ou seja, as formigas não só continuavam a sua fileira até à entrada do prédio, como iam chamar mais amigas.
De manhã decidiu que não era um fato com 1.80m que a podia assustar, vestiu ela um fato, escolhido a todo o rigor. Linho e algodão, nem quente, nem frio, cor cinzenta, neutra, cor que não vislumbra nada de bom, nem nada de dramático, e para cortar o formalismo pintou as unhas de rosa chiclete.
Chegou à empresa e o chão parecia mais branco, as paredes reluziam que encadeavam, os colegas estavam embaciados e quase que duvidava do seu equilíbrio. Respirou fundo e decidiu ser prática, de certo aquela desorientação era por ter passado a noite em branco. Foi-se sentar e assim que o Manuel chegasse ia logo falar com ele. E assim foi, ele entrou, tirou o casaco e ela prontamente disse que precisavam de falar, foram os dois à sala de reuniões que hoje lhe parecia mais ampla, as cadeiras estavam mais pesadas e o ar denso, quase irrespirável. Nada a ia demover, sentou-se desviou a mecha de cabelo dos olhos e começou. No fim, parecia que tinha passado o dia anterior todo no ginásio tais eram as dores no corpo, teve um ataque de choro e para que ninguém a visse tirou o resto do dia.
Por dois meses voltou ao trabalho todos os dias e de cada vez que o Manuel entrava sentia um peso no coração, um desnorte cerebral e sorria a aguardar uma palavra, uma mudança de comportamento, mais empenho e nada.
Naquela noite, dois meses depois, tinha de conseguir provar a existência da conversa e passou a noite em claro, porque de tanto puxar pela memoria, depois de tanto revisitar aquela sala, aquela troca de palavras, de rever e escrever tudo o que o Manuel lhe disse, depois de se lembrar do seu esforço estóico para manter um discurso fluído, as imagens foram ficando mais nítidas, as vozes menos distorcidas, a sala mais respirável e como se assistisse a um filme viu que nada disse.
Nesse dia, despediu-se.